terça-feira, 30 de julho de 2013

A Presa de Sharpe (Resenha)

O ano é 1807. Depois de uma extensa campanha militar na Índia e de participar da histórica batalha naval de Trafalgar, o Tenente Richard Sharpe enfim volta à Inglaterra, sua casa. Mas não era o retorno que ele teria imaginado anos antes, quando se alistou nos casacas vermelhas... 

As riquezas prometidas, bem como suas paixões, ficaram pelo caminho. As glórias obtidas em campos de batalha parecem ter perdido a importância depois que veio a promoção para segundo-tenente. Promoção essa que mais trouxe desgosto e inimizades do que qualquer beneficio. Para piorar, Sharpe integra um batalhão no qual não é bem vindo (no caso, o 95º Batalhão dos Fuzileiros), exercendo o entediante e sem perspectiva cargo de intendente.



A Presa de Sharpe inicia com esse clima melancólico. Richard aproveita a passagem por Londres para reencontrar o diretor do orfanato em que cresceu, e descobre que o sujeito continua maltratando e explorando as crianças que foram submetidas a sua proteção.

Após dar um “jeito” no canalha, Sharpe acaba precisando sair de Londres e aceita (meio que a contragosto) uma missão de um antigo conhecido, o general Daivid Baird, missão essa que consiste em escoltar o Major John Lavisser até Copenhague, onde os ingleses pretendem entregar uma boa quantidade de ouro para os dinamarqueses não se aliarem ao Imperador Bonaparte.

Depois da batalha de Trafalgar, Napoleão perdeu praticamente todo seu poderio naval. Os únicos navios na Europa que poderiam fazer frente à supremacia britânica, são os dinamarqueses (que até então estavam neutros na guerra). Por isso essa disputa acirrada entre ingleses e franceses pela lealdade dos escandinavos. Mas no meio da jornada, Lavisser tenta assassinar Richard Sharpe, rouba todo o ouro do "suborno inglês" para si e debanda para o lado dos comedores de lesma (ou franceses, como queira...). A partir de então, Sharpe corre contra o tempo para encontrar um espião inglês dentro de Copenhague e pedir sua ajuda para evitar uma guerra entre a Inglaterra e a Dinamarca, ao mesmo tempo em que elabora um plano para se vingar de sua nova presa, Lavisser.

Sendo ambientado a maior parte do tempo na Dinamarca, A Presa de Sharpe traz consigo o clima de intriga e espionagem já visto em “O Tigre de Sharpe” (que curiosamente marcou o primeiro encontro entre Sharpe e Baird), mas muito mais intensificado aqui. Muitos leitores consideram esse livro o mais entediante da série, justamente por vermos um Sharpe agindo mais com raciocínio e furtividade do que com a selvageria engenhosa típica do personagem. Tanto é que as batalhas campais aqui são escassas, ficando evidentemente em segundo plano. 

Sobre os personagens secundários não há muito a se destacar. Além do próprio Lavisser (típico fanfarrão espirituoso dotado de uma maligna inteligência) somos apresentados ao frio, genial e enigmático Lorde Pumphrey, um valioso “aliado” de Sharpe, que provavelmente terá mais participações em futuras histórias. 

Pelas necessidades da situação, A Presa de Sharpe deixa o aspecto Chuck Norris do herói um pouco de lado para nos apresentar um Richard mais Jason Bourne, o que em resumo significa um livro mais inteligente e menos tapa na cara. Até certo ponto... Porque graças ao bom Deus, certas coisas nesse mundo jamais mudam, e a personalidade explosiva e sincera do mais querido personagem criado por Bernard Cornwell, é uma delas. 


Nota: ★★★☆☆

Wyrd biõ ful araed

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Coisas Frágeis - Volume 1 (Resenha)

 Essa gente deve saber quem somos e contar que estamos aqui!

Compilações podem ser um saco... Isso por que essas obras literárias tem o poder de entre um conto e outro, te levar do céu ao inferno, e o vice-versa. Até aí, nenhuma novidade, é esperado que a qualidade desses contos oscile.

Coisas Frágeis - Volume 1, de Neil Gaiman (Sempre ele!) não conhece essa regra. Nunca antes eu li uma antologia com um padrão tão elevado. É claro que alguns contos se destacam dos demais, mas isso não quer dizer que a qualidade das histórias mais modestas seja ruim.


O livro inicia com Um Estudo sobre Esmeralda, misturando os elementos de Call of Cthulhu com Sherlock Holmes... Sim, isso é possível. Unindo o universo sobrenatural do primeiro com o cenário vitoriano e fundamentalmente lógico do segundo, o resultado desse carnaval é uma história com deuses gosmentos governando o planeta e uma humanidade curiosamente obediente e satisfeita com tal fato. É um conto policial com sacadas rápidas, apresentando personagens inteligentes e um final surpreendente.

A Vez de Outubro é o meu conto preferido do livro. A reunião dos meses do ano para contar histórias, já é uma premissa poética bacana o suficiente para despertar meu interesse. Também achei muito interessante as personalidades distintas de cada mês. No caso, quem conta a história aqui, como você deve imaginar, é o ponderado Outubro (sim, um conto dentro de um conto), história essa sobre um infeliz garotinho conhecido como Nanico. Aqui, Gaiman utiliza um dos seus talentos mais marcantes, no que diz respeito a encaixar elementos sobrenaturais em histórias que até então pareciam ser mundanas.

 O terceiro conto, Lembranças e Tesouros, apresenta um complicado protagonista chamado Smith. Smith teve um bucado de problemas (lights) durante a infância, coisas como ter sido afastado de sua mãe, nunca conhecer o seu pai e conviver com a pedofilia nos tempos de orfanato (e posteriormente matar o pedófilo com as próprias mãos). Tudo mudou quando Smith conheceu o Sr. Alice e passou a ser um capanga de luxo dele. Alice é um homem extremamente rico, a ponto de poder pagar por uma noitada com os mais famosos atores, músicos, atletas e demais rapazes que ele deseje. O Sr Alice é tão rico, mas tão rico, que seu dinheiro oculta a sua existência para 99,9 % do mundo. Smith é inteligente, muito bom de briga e não se importa em sujar as mãos para realizar os serviços que Alice passa para ele. É o conto mais pesado do livro.

Os Fatos no Caso da Partida da Srta. Finch começa pelo fim, com os colegas da Srta Finch conversando sobre o ocorrido no dia anterior. É um suspense estranho, ambientado em um Circo dos Horrores. Talvez eu não tenha entendido direito... Isso acontece com frequência. O fato é que esse é um dos contos menos interessantes do livro, mas a descrição das bizarras atrações do circo faz a leitura valer a pena.

O conto seguinte é o polêmico O Problema de Suzan, dando continuidade na história de Suzan Penvensie das Crônicas de Nárnia. A abordagem adulta em um universo há muito enxergado por uma ótica infantil, pode assustar bastante os fã de C.S.Lewis, mas também acaba sendo um dos principais atrativos do livro.

Ambientado no universo de Matrix, o sexto conto do livro substitui o terror pelo sci-fi, estou falando de Golias. Aqui, mais uma vez Neil Gaiman brinca com nossas mentes. Qualquer coisa que eu diga vai acabar se revelando spoiler, então é melhor parar por aqui. Apenas digo o seguinte: sensacional. Golias é sensacional.

Imagine um tímido garoto em uma festa, tentando começar (e manter) uma conversa com garotas, sem perceber que essas garotas são extraterrestres (mesmo quando estas dão TODOS os sinais de sua estranha natureza). Essa é a premissa do interessante e extremamente divertido Como Conversar com Garotas em Festas.

O Pássaro-do-Sol é uma das misturas mais loucas que eu já vi. Pense o seguinte, um grupo dedicado a preparar exóticos e suculentos pratos de tudo que anda, voa, nada e rasteja. Seus pais e demais ancestrais dividiam a mesma paixão. Após tantos anos, esse pessoal já comeu de tudo, com exceção de seres humanos (fato lamentado por alguns deles). Isso faz com que uma certa tristeza se abata sobre o grupo... Não há novidade, não nada a experimentar, tudo já foi provado e a vida perdeu o brilho. Então um deles os lembra que ainda há um prato a ser degustado, o único (e mais delicioso) que o grupo ainda não consumiu, o Pássaro-do-Sol. O humor negro desse conto é evidente, mas também há algumas reflexões interessantes nessa história.

Por último, temos a cereja do bolo, estou falando de O Monarca do Vale. Inicialmente, o que torna esse conto especial é o retorno de Shadow, protagonista de Deuses Americanos. Depois das avassaladoras reviravoltas que a sua vida teve, Shadow peregrina pela Europa e acaba se envolvendo em uma perigosa trama em terras escocezas. As referências a lenda de Beowulf e os encontros com bons personagens de outro romance de Neil Gaiman, são algumas das razões por esse conto ser tão apaixonante. Esse é o conto mais longo do livro e também é o que era mais esperado por aqueles que leram Deuses Americanos. E antes que eu me esqueça, o nome verdadeiro do Shadow enfim é revelado nessa história (e já adianto, ele pode levantar algumas suspeitas).

Coisas Frágeis é uma ótima leitura, nada sacrificante e especialmente prazerosa. Há muito eu não lia uma antologia que misturasse tão bem o humor, terror, suspense, ficção e drama. Neil Gaiman de fato reuniu o melhor de seu amplo leque de habilidades literárias nesse incrível livro.

Nota: ★★★★☆

Wyrd biõ ful araed