sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Lugar Nenhum (Resenha)

Lugar Nenhum (Neverwhere) embarca o leitor em uma jornada fantástica pelo obscuro submundo londrino. Particularmente, sou fascinado por histórias ambientadas na terra da Rainha e o fato de Lugar Nenhum ter sido escrito por ninguém menos do que Neil Gaiman, é um atrativo adicional.

Richard Mayhew é um jovem escocês tentando “levar” a vida em Londres, onde tem um aconchegante (e modesto) apartamento, um bom (e entediante) emprego, uma linda (e pentelha) namorada, uma divertida (e excêntrica) coleção de trolls na prateleira do escritório... Enfim, um mundo em ordem (e sem muitas perspectivas).  Tudo muda na vida de Mayhew no que parecia ser uma noite comum, quando uma garota exausta e ferida surge literalmente despencando na sua frente. Richard (que possui um espirito altruísta, muito diferente dos demais moradores das grandes metrópoles, que é o que o romance sugere...) carrega a garota até a sua casa para tratar dos seus ferimentos. Ele descobre que a menina se chama Door e está fugindo de uma dupla de implacáveis assassinos (que chacinaram a família inteira da garota). Recuperada, Door vai embora da casa de Mayhew, mas antes pede para Richard esquece-la e voltar a sua vida normal. Ele bem que tenta...



O pesadelo de Richard começa no dia seguinte, quando ele acorda invisível para o mundo inteiro, incluindo para aqueles que o conhecem (caso dos seus colegas de trabalho e da própria namorada). Não é uma “invisibilidade mágica” propriamente dita, se ele gritar ou chamar a atenção de qualquer outra maneira, as pessoas o perceberão, mas não se recordarão de conhecê-lo e rapidamente vão perder o interesse nele. É mais como ser ignorado pelo consciente coletivo, algo parecido com o que os mendigos e demais excluídos da sociedade passam. Sem emprego, sem casa, sem amigos e obviamente sem dinheiro, Richard parte em busca de Door com a esperança de que a garota reverta a sua inusitada situação. E por falar nessa situação, ela é um dos principais atrativos do enredo. Gaiman traça um interessante paralelo entre a invisibilidade do Richard com as situações diárias vividas por moradores de rua, resultando em interessantes reflexões.

Nessa jornada insana, Richard adentra os domínios do submundo de Londres, um lugar invisível para o "povo de cima" (a gente), habitado pelos ignorados, por reinos exóticos, lugares mortais, sociedades ancestrais, criaturas saídas de pesadelos, ratos e anjos. É um “Alice nos País das Maravilhas”, só que usando túneis de metrôs, museus, velhas pontes e esgotos como cenário.

Mayhew cumpre seu papel, mas com certeza não é o mais interessante dos protagonistas criados por Gaiman e nem sequer o mais interessante personagem desse livro. O mesmo não se pode dizer dos antagonistas, o ríspido Sr. Vandemar e o espirituoso e diabólico Sr. Croup. Outros personagens em destaque são o Marquês de Carabas (com sua mente afiada e seus modos peculiares), a tão letal quanto enigmática Hunter e a própria garota Door, a última descendente de uma nobre família com um dom especial para abrir coisas.

Lugar Nenhum foi o primeiro romance escrito por Neil Gaiman, originalmente uma série televisiva exibida no canal inglês BBC Two. Não tem a genialidade de Deuses Americanos ou Belas Maldições, mas não deixa de ser uma história cativante, com doses equilibradas de fantasia e suspense.

Nota: ★★★☆☆
"The price of getting what you want is getting what once you wanted"

domingo, 10 de junho de 2012

Deuses Americanos (Resenha)

Deuses Americanos (American Gods) é um daqueles livros que você tira da estante sem grandes pretensões. Ok, isso não é verdade... Só o fato de estar escrito "Neil Gaiman" ali em cima, chama atenção por si só. Mas mesmo para os altos padrões do escritor, Deuses Americanos consegue surpreender.

Gaiman é um mestre em incorporar elementos fantásticos em histórias do cotidiano. Inicialmente, estamos acompanhando os primeiros dias de liberdade de Shadow, um ex-detento que em sua última semana como presidiário, descobriu que a esposa, Laura, morreu em um acidente de carro. Algumas páginas depois, o mesmo Shadow, além de começar a receber visitas da esposa recém falecida, se vê no meio de uma batalha entre novos e velhos deuses.

Falando nos deuses, as referências mitológicas são um charme a parte no livro. Encontramos por aqui deuses nórdicos, celtas, eslavos, africanos, entre outros. Todas as culturas devidamente representadas por personagens interessantes e carismáticos.


Um ponto muito divertido que merece destaque é a naturalidade com que o protagonista reage aos eventos mais absurdos. Como já citei acima, ele passa a receber visitas da esposa falecida, além de se envolver nas picuinhas de deuses e demais criaturas mitológicas. Sempre com muita calma, Shadow vai se aprofundando em um mundo sobrenatural que pelo menos a princípio, causaria repulsa e desespero em 99% das pessoas.

Outro destaque fica por conta das últimas páginas dos capítulos, reservadas para uma breve e deliciosa descrição das chegadas dos cultos aos deuses do velho mundo na América.


Contando com uma incrível reviravolta final (provando que até os poderosos deuses podem ser manipulados), digna das artimanhas do mestre Gaiman (que agora mais do que nunca eu acredito ser uma das encarnações de Odin), Deuses Americanos é uma literatura transformadora, muito prazerosa, bem humorada e ao mesmo tempo deprimente. Deprimente por que além de contar uma história com um desfecho infeliz, o livro nos obriga a refletir sobre a implacabilidade do tempo, impiedoso inclusive com coisas que um dia foram extremamente importantes (como os próprios deuses), e também levemente nos conduz a pensar sobre os caminhos vazios que a civilização vem tomando. Mas também nos mostra que em momentos derradeiros, o ser humano consegue despertar consciência, força de vontade e  uma capacidade anormal para "arrumar" as cagadas do mundo, surpreendendo além de nós mesmos, os deuses que um dia cultuamos


Citações de Deuses Americanos

“Eu posso acreditar em coisas que são verdadeiras e eu posso acreditar em coisas que não são verdadeiras, e posso acreditar em coisas que ninguém sabe se são verdade ou não. Eu posso acreditar em Papai Noel e no Coelho da Páscoa, e na Marilyn Monroe, e nos Beatles, e no Elvis e no Sr. Ed. Eu acredito que as pessoas podem se tornar perfeitas, que conhecimento é infinito, que o mundo é comandado por carteis bancários secretos e é visitado regularmente por alienígenas, aliens bonzinhos que parecem com lemures enrugados e aliens malvados que mutilam gado e querem roubar nossa água e nossas mulheres. Eu acredito que o futuro será uma bosta e eu acredito que o futuro será o máximo e eu acredito que um dia a White Buffalo Woman vai retornar e chutar a bunda de todo mundo. Eu acredito que todos os homens são só garotos gigantes com graves problemas de comunicação e acredito que o declínio do sexo de qualidade nos Estados Unidos coincide com o declínio dos cinemas drive-in em todos os estados. Eu acredito que todos os políticos são sacanas sem princípios e ainda acredito que eles são melhor do que a alternativa. Eu acredito que a Califórnia irá afundar no oceano quando o grande terremoto vier, enquanto que a Flórida irá se dissolver em loucura e crocodilos e lixo tóxico. Eu acredito que sabonetes antibacterianos estão destruindo nossa resistência a sujeira e doenças até que um dia nós todos seremos extintos com um vírus qualquer de resfriado como os marcianos em Guerra dos Mundos. Eu acredito que os melhores poetas do século passado foram Edith Sitwell e Don Marquis, que jade é esperma de dragão fossilizado, e que há milhares de anos atrás em uma outra encarnação eu era um xamã siberiano com um braço só. Eu acredito que o destino da humanidade está nas estrelas. Eu acredito que os doces realmente eram mais gostosos quando eu era criança, e que é aerodinamicamente impossível que uma abelha voe, que luz é uma onda e uma partícula, que existe um gato em uma caixa em algum lugar que está vivo e morto ao mesmo tempo (mas se eles não abrirem a caixa para alimentá-lo ele eventualmente só estará morto de dois jeitos diferentes), e que existem estrelas no universo bilhões de anos mais velhas do que o próprio universo.  Eu acredito em um Deus pessoal que se importa comigo e se preocupa e observa tudo o que eu faço. Eu acredito em um Deus impessoal que botou o universo pra rodar e foi-se embora passear com sua namorada e nem mesmo sabe que eu estou viva. Eu acredito em um universo vazio e ateu, de caos casual, ruído branco e sorte pura e cega. Eu acredito que qualquer um que diga que sexo é superestimado simplesmente não o fez direito. Eu acredito que qualquer um que afirme saber o que está acontecendo também irá mentir sobre as coisinhas pequenas também. Eu acredito em honestidade absoluta e mentiras sociais aceitáveis. Eu acredito no direito das mulheres escolherem e no direito dos bebês de viverem, e que apesar de toda vida humana ser sagrada não tem nada de errado com pena de morte se você puder confiar no sistema judiciário, e que ninguém, exceto um idiota, confiaria no sistema judiciário. Eu acredito que a vida é um jogo, que a vida é uma piada cruel, e que a vida é o que acontece quando você está vivo e que você poderia até relaxar e aproveitá-la.“


“A língua de Laura tremia dentro da boca de Shadow. Estava fria e seca, e tinha gosto de cigarro e de bile. Se Shadow ainda tinha alguma dúvida a respeito de sua mulher estar morta ou viva, o mistério acabou ali."


"Tão certo como a água é molhada e os dias são longos, um amigo sempre o decepciona no final."


“A linguagem é um vírus (…), a religião é um sistema operacional e (…) as orações são a mesma coisa que a porra do spam.” 


Shadow: Minha mulher.
Wednesday: Aquela que já morreu.
Shadow: Laura. Ela não quer continuar morta. Ela me disse, depois que me libertou dos caras do trem.
Wednesday: O ato de uma esposa maravilhosa. Libertar você da prisão vil e matar aqueles que o teriam machucado. Você deveria apreciá-la, sobrinho.
Shadow: Ela quer ficar viva de verdade. Dá pra fazer isso? É possível?
Wednesday ficou tanto tempo sem dizer nada que Shadow começou a se perguntar se ele escutara a pergunta ou se tinha caído no sono com os olhos abertos. Então disse, olhando para frente, para o vazio: - Sei um encanto que pode curar dor e doença, e que pode tirar o sofrimento do coração daqueles que sofrem. Sei um encanto que cura com um toque. Sei um encanto que faz as armas do inimigo se virarem pro outro lado. Sei outro encanto que me solta de todas as amarras e abre todas as fechaduras. Um quinto encanto: eu consigo pegar uma flecha no ar e não me machucar - as palavras soavam pesadas, urgentes. O tom amedrontador não estava mais lá, o sorriso cínico também não. Wednesday falava como se recitasse as palavras de um ritual religioso, ou como se estivesse se lembrando de alguma coisa obscura e dolorida. - Um sexto encanto: feitiços feitos pra me machucar só vão machucar quem os enviou. Sétimo encanto que eu sei: posso apagar o fogo apenas olhando para ele. Oitavo: se algum homem me odiar, eu consigo ganhar sua amizade. Nono: eu posso fazer o vento dormir com o meu canto e posso acalmar uma tempestade durante tempo suficiente pra levar um barco até a costa. Esses foram os primeiros nove encantos que eu aprendi. Durante nove noites eu fiquei pendurado na árvore nua, com a lateral do meu corpo perfurada pela ponta de uma lança. Eu balançava de um lado para o outro e sacolejava aos ventos frios e aos ventos quentes, sem comida, sem água, um sacrifício de mim pra mim mesmo, e os mundos se abriram. Como décimo encanto, eu aprendi a dispersar bruxas e fazê-las rodopiar no céu de modo a nunca mais encontrarem seu caminho de volta às suas próprias portas. Décimo primeiro: se eu cantar quando uma batalha eclodir, posso fazer com que guerreiros passem pelos tumultos ilesos e intactos e posso trazê-los de volta a suas famílias e aos seus lares, sãos e salvos. Décimo segundo encanto que sei: se eu vir um homem enforcado, posso tirá-lo da forca para que sussurre no nosso ouvido tudo de que consegue se lembrar. Décimo terceiro: se eu jogar água sobre a cabeça de uma criança, ela não vai sucumbir na batalha. Décimo quarto: sei os nomes de todos os deuses. De cada um dos malditos. Décimo quinto: sonho com poder, com glória, e com sabedoria, e eu posso fazer as pessoas acreditarem nos meus sonhos - a voz dele estava tão baixa agora que Shadow precisava se esforçar para ouvi-lo por sobre o barulho do motor do avião. - Décimo sexto encanto que sei: se preciso de amor, posso transformar a mente e o coração de qualquer mulher. Décimo sétimo: nenhuma mulher que eu desejo vai desejar mais alguém na vida. E eu ainda sei um décimo oitavo encanto, que é o maior de todos, e esse eu não posso contar para nenhum homem, porque é um segredo que ninguém mais além de você sabe, é o segredo mais poderoso que pode existir - ele suspirou e então parou de falar. Shadow sentia seus pelos se arrepiando. Era como se tivesse acabado de ver uma porta se abrindo para outro lugar, em algum lugar, a muitos mundos de distância, onde homens enforcados balançavam ao vento em todas as encruzilhadas, onde bruxas guinchavam por cima das cabeças de todos no meio da noite. - Laura - foi tudo o que disse.
Wednesday virou a cabeça, olhou bem dentro dos olhos cinza-pálido de Shadow com os seus próprios. 
- Eu não posso fazer com que ela viva novamente. Nem sei por que ela não está tão morta quanto deveria estar.




"Três pessoas podem guardar um segredo, se duas delas estiverem mortas."


“Esses são os deuses que foram esquecidos e agora eles podem até estar mortos. Só podem ser encontrados em histórias áridas. Eles se foram, todos eles, mas seus nomes e suas imagens continuam entre nós.” 


“Esses são os deuses que já perderam a consciência da memoria. Até mesmo seus nomes se perderam. Desde há muito tempo, seus totens foram quebrados e derrubados. Seus últimos sacerdotes morreram sem passar o segredo adiante. Deuses morrem. E quando morrem de verdade, ninguém chora por eles nem se lembra deles. As idéias são mais difíceis de matar do que as pessoas, mas também podem ser assassinadas no fim.”


"Você é grandão ― disse Nancy, olhando nos olhos cinza-claro de Shadow com seus olhos velhos cor de mogno. ― Um pedaço de mau caminho, mas eu preciso falar, você não parece muito inteligente. Você lembra meu filho, que é tão imbecil como se tivesse comprado sua burrice numa liquidação de dois por um.” 


“― Quando se é diretor de funerária, não se faz perguntas a respeito da saúde de ninguém. As pessoas ficam achando que você está conferindo se vai ter trabalho.” 


"Laura olhou para ele com seus olhos azuis mortos:
- Eu quero estar viva novamente - disse ela.
- Não nesta meia-vida. Eu quero estar realmente viva. Eu quero sentir meu coração batendo no meu peito de novo. Eu quero sentir o sangue se movendo através de mim, quente, salgado e real. É estranho, você acha que não pode senti-lo, o sangue, mas acredite em mim, quando ele para de fluir, você sentirá - ela esfregou os olhos, borrando o rosto com o vermelho das sujeiras de suas mãos.
- Olha, é difícil... Você sabe por que as pessoas mortas só saem à noite? Porque é mais fácil se passar por um vivo, no escuro. E eu não quero ter que me passar, eu quero estar viva!”


Shadow: Então... Quem eram aqueles caras que me pegaram no estacionamento? O senhor Wood e o senhor Stone?
Wednesday: Só agentes, membros da oposição. Gente ruim.
Shadow: Eles acham que são gente boa.
Wednesday: Nunca aconteceu uma guerra entre dois lados que não se achavam corretos. As pessoas perigosas fazem o que querem somente e apenas porque acham que é o certo, sem sombra de duvida. E é isso que as torna perigosas.
Shadow: E você? Por que faz o que faz?
Wednesday: Por que eu quero fazer.
Shadow: Então está tudo certo - respondeu sorrindo.


"Ouça. A raposa chegou aqui primeiro e o irmão dela era o lobo. A raposa disse que as pessoas vão viver pra sempre. Se morrerem, não vão ficar mortas por muito tempo. O lobo disse que não, as pessoas vão morrer, as pessoas precisam morrer, elas PRECISAM morrer, ou vão se espalhar e cobrir o mundo, e comer todos os salmões e todos os caribus, e todos os búfalos, vão comer todas as abóboras e o milho. Daí um dia o lobo morreu e disse pra raposa trazê-lo de volta à vida. A raposa disse que não, os mortos têm que ficar mortos. Você me convenceu disso. E ela chorou quando disse aquilo. Mas ela disse aquilo, e ponto final. Agora o lobo manda no mundo dos mortos e a raposa vive para sempre sob o sol e sob a lua, e ainda chora pelo irmão."


"Não diga que um homem é feliz - disse Shadow - até que ele esteja morto."



"Sem indivíduos, enxergamos apenas os números: mil mortos, cem mil mortos... O número de vítimas pode chegar a um milhão. Com histórias individuais, as estatísticas se transformam em pessoas – mas até isso é mentira, porque as pessoas continuam a sofrer em números que, por si só, são entorpecentes e sem sentido.  Olhe e  veja a barriga inchada do menino e as moscas que andam no canto dos olhos dele, e seus membros esqueléticos,  vai ajudar se você souber seu nome, idade, sonhos e medos? E se ajudar, será que não estamos prestando um desserviço à irmã dele, que está ali ao lado, estirada na poeira abrasadora, uma caricatura distorcida e inchada de uma criança humana? E daí, se lamentarmos por essas duas crianças, será que agora elas passarão a ser mais importantes para nós do que as milhares de outras crianças atingidas pela mesma fome, milhares de outras vidas jovens e contorcidas que logo se transformarão em alimento para as moscas?
Nós desenhamos nossos limites ao redor desses momentos de dor… Continuamos em nossas ilhas, e eles não podem nos ferir. Ficam escondidos sob uma cobertura suave e segura para que escorreguem, como ervilhas, de nossas almas sem que sintamos verdadeiramente a dor."


"Tinha só um cara na Bíblia inteira pra quem Jesus prometeu pessoalmente um lugar no paraíso do lado dele. Não foi pra Pedro, nem pra Paulo, nem pra nenhum daqueles caras. Ele era um ladrão condenado, que estava sendo executado. Então, não fica tirando uma dos caras no corredor da morte. Talvez eles saibam de alguma coisa que você não sabe."

Nota: ★★★★★
"Cada hora fere. A última mata." 

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Ricardo Augusto Felício e o Aquecimento Global

Não sou publicitário, mas entendo os conceitos de forma e conteúdo na hora de divulgar uma mensagem.

Ontem, o simpático doutor em geografia, mestre em meteorologia e professor da USP, Ricardo Augusto Felício, deu uma interessante, bem humorada e polêmica entrevista no Programa do Jô, basicamente alegando que o efeito estufa é uma mentira imposta por países do primeiro mundo para manter emergentes na coleira. 

Por mais que eu compartilhe parcialmente do ponto de vista do climatologista, achei a entrevista absurda e irresponsável. Uma coisa é ele divulgar a sua tese (aliás, muito bem fundamentada) em uma sala de aula, em um congresso ou em uma palestra para especialistas na área (ou aspirantes), outra bem diferente é propagar as mesmas idéias em um programa de TV, para milhões de leigos, em um momento tão delicado, com devastações ecológicas desenfreadas e um novo e polêmico código florestal recém aprovado na câmara dos deputados. 


Precisa ser PhD para saber que brasileiros são desinteressados em política, cidadania, segurança pública e preservação do meio ambiente? Mesmo que ele tenha aberto um parenteses ressaltando rapidamente que sua tese não justifica a destruição das florestas, é óbvio que o resultado de uma entrevista como a de ontem é o desinteresse de boa parte da população em futuras questões ambientais. Tão importante quanto a mensagem em si, é o modo como ela é divulgada e para quem ela será divulgada. A última coisa que meus relaxados compatriotas precisam ouvir é: "não precisa se preocupar, tá tudo legal...". 

Não faz 12 horas que a entrevista foi ao ar, e já temos centenas de compartilhamentos do link da entrevista no Facebook. Em 12 horas, essas pessoas não foram pesquisar sobre o assunto, elas simplesmente acataram uma tese divulgada na TV e passaram a ser os mais fiéis devotos das idéias do professor Ricardo Augusto, assim como há alguns anos, essas mesmas pessoas acreditaram cegamente em um outro cientista que apareceu na TV dizendo que o mundo estava esquentando.

O que eu quero dizer com tudo isso? Muitas coisas são ditas na TV, por especialistas ou não. Não acredite em tudo você vê ou ouve, pesquise antes de abraçar aquilo como se fosse uma verdade absoluta, e se você quer saber, duvide das pesquisas também. Até porque, se tratando de aquecimento global, existem milhares de teses. E é isso que elas são, apenas teses. Independente de qualquer coisa, faça sua parte, exerça cidadania e preserve o meio ambiente. 

A tese do professor Ricardo Augusto é interessantíssima, e já faz algum tempo que eu venho adotando algumas das suas idéias. Mas a irresponsabilidade dele ontem foi sem precedentes, digna de mentes geniais, e curiosamente ao mesmo tempo, estúpidas. 

Winter is Coming...

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Dia de São Jorge

23 de abril é o dia do mais macho dos santos católicos, o guerreiro São Jorge (para se ter uma idéia, seu feito mais famoso foi ter matado um dragão). A lenda de São Jorge se mistura bastante com a lenda do guerreiro mitológico escandinavo Siegfried, também conhecido pela sua perícia em combate, determinação e por ser um exímio assassino de dragões. Sendo assim, como muitos dos elementos da mitologia cristã que foram incorporados de outras mitologias, é bem possível que o santo e o guerreiro viking sejam duas faces da mesma divindade.

Na lenda cristã, Jorge foi um capadócio que ainda cedo ingressou no exército romano e rapidamente ganhou notoriedade devido a sua força de vontade, disciplina, habilidade e bravura. Promovido à capitão, Jorge jamais abandonou os princípios cristãos de fraternidade, buscando sempre auxiliar os necessitados. Infelizmente, nessa mesma época o imperador Diocleciano reabilitou velhas tradições romanas e promoveu uma grande caçada de sangue aos cristãos. Jorge foi torturado em uma tentativa de fazer o guerreiro renegar a própria fé, o que obviamente não aconteceu. Os romanos percebendo que torturas físicas e psicológicas não surtiriam efeito no guerreiro, o assassinaram no dia 23 de abril de 303.

O famoso feito contra o dragão e o resgate da princesa (muito semelhante ao que Siegfried fez com Brunhilde) seria inserido na lenda durante a idade média. Cronologicamente, Jorge já havia sido nomeado capitão nas legiões romanas quando essa batalha aconteceu. 


São Jorge é o santo padroeiro da Catalunha, de Portugal e principalmente da Inglaterra, cuja identificação com o santo era tamanha, que a bandeira do país é a cruz vermelha de são Jorge com o fundo branco.  

Brados como "por São Jorge!" eram frequentemente gritados em campos de batalha ingleses, e como os ingleses nunca perderam a chance de sair na porrada com alguém, vocês podem imaginar como as bençãos do santo guerreiro foram invocadas no último milênio. O próprio discurso de Henrique V na épica batalha de Azincourt, imortalizado por Shakespeare, demonstra esse poderoso vínculo do povo inglês com o seu santo protetor:

 'Once more unto the breach, dear friends... for God, for Harry, for England and Saint George!'  

São Jorge representa acima de tudo, determinação e fidelidade, já que em vida, mesmo nas situações mais adversas e desesperançosas, ele permaneceu leal aos seus princípios. E morreu por eles.  

Por essa razão, o santo também é o padroeiro do time de futebol que possui a torcida mais "Fiel" de todas, o meu amado Sport Club Corinthians Paulista. E por esse motivo, eu resolvi prestar minha homenagem com esse post à São Jorge Guerreiro no dia de seu nome. Que em horas de desespero, ele nos abençoe com a mesma bravura e determinação que teve em vida.


"... Eu andarei vestido e armado, com as armas de São Jorge, para que meus inimigos, tendo pés não me alcancem, tendo mãos não me peguem, tendo olhos não me enxerguem, e nem em pensamento eles possam ter para me fazerem o mal, armas de fogo o meu corpo não alcançarão, facas e lanças quebrarão sem meu corpo chegar, cordas e correntes se arrebentarão sem o meu corpo amarrarem"...
  

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Bolinhos de Bebê

Um texto tão curto quanto cruel, cujo nobre objetivo é chocar e conscientizar, destacando o tratamento perverso que animais recebem em laboratórios.


"Alguns anos atrás, todos os animais foram embora. Acordamos uma manhã e eles simplesmente não estavam mais lá. Nem mesmo nos deixaram um bilhete ou disseram adeus. Nunca conseguimos saber ao certo para onde foram.

Sentimos sua falta.

Alguns de nós pensaram que o mundo tinha se acabado, mas não tinha.

Só que não havia mais animais. Não havia mais gatos ou coelhos, cachorros ou baleias, não havia peixes nos mares, nem pássaros nos céus. Estávamos sós.

Não sabíamos o que fazer.

Vagueamos por aí, perdidos por um tempo, e então alguém observou que, só porque não tínhamos mais animais, não havia motivo para mudar nossas vidas. Não havia razão para mudar nossa dieta ou parar de testar produtos que podem nos fazer mal.

Afinal de contas, ainda haviam os bebês. Bebês não falam. Mal podem se mexer. O bebê não é uma criatura racional, pensante.

Fizemos bebês.

E os usamos.

Alguns deles, comemos, Carne de bebê é tenra e suculenta. Esfolamos suas peles e nos enfeitamos com elas. Couro de bebê é macio e confortável.

Alguns deles, usamos em testes.

Mantínhamos seus olhos abertos com fitas adesivas e pingávamos detergentes e shampoos neles, uma gota de cada vez.

Nós os marcamos e os escaldamos. Nós os queimamos. Nós os prendemos com braçadeiras e plantamos eletrodos em seus cérebros. Enxertamos, congelamos e irradiamos.

Os bebês respiravam nossa fumaça e, na veia dos bebês, fluíam nossos remédios e drogas, até eles pararem de respirar ou até o sangue deles não correr mais.

Era duro, é claro, mas necessário.

Ninguém podia negar isso.

Com a partida dos animais, o que mais podíamos fazer?

Algumas pessoas reclamaram, claro. Mas elas sempre fazem isso.

E tudo voltou ao normal.

Só que... Ontem, todos os bebês se foram.

Não sabemos para onde. Nem mesmo os vimos partir.

Não sabemos o que vamos fazer sem eles.

Mas pensaremos em algo. Humanos são espertos. É o que nos faz superiores aos animais e aos bebês.

Vamos bolar alguma coisa".


- Retirado do livro "Fumaça e Espelhos - Contos e Ilusões" de Neil Gaiman


Winter is Coming...

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Crônicas da Tormenta (Resenha)

Há muitos anos, na época da saudosa revista Tormenta, éramos presenteados bimestralmente com bons contos ambientados no mundo de Arton. E desde aquela época, existia uma vontade coletiva de que esses contos fossem reunidos em um livro. Com o tempo, infelizmente, a revista Tormenta parou de ser publicada, o que acabou reforçando ainda mais o desejo dos leitores em ver uma compilação trazendo essas tão queridas histórias.



Mais de uma década depois, Tormenta ganhou novos colaboradores, o cenário engordou com riquíssimos materiais e uma enxurrada de publicações que não se limitavam ao RPG (incluindo uma trilogia de romances e histórias em quadrinhos). E mesmo assim, a necessidade de resgatar aquele passado glorioso ainda era compartilhada pelos fãs.

Ano passado, finalmente foi publicado As Crônicas da Tormenta: Antologia de Contos, reunindo muitos nomes já consagrados na literatura fantástica nacional, bem como colaboradores de longas datas do cenário.

A obra, além de resgatar contos antigos, acaba sendo uma demonstração dos mais variados pontos de vista sobre a vida em Arton, do espirituoso pirata fanfarrão caçador de tesouros à elfa adolescente tentando se consagrar como barda.

Dentre os novos contos que se destacam, temos a fatalista História de Herói, de Leonel Caldela. Até aí nenhuma novidade. Estamos falando do escritor da Trilogia da Tormenta que também assinou a maioria das publicações do cenário lançadas desde 2007. Se tem um escritor que entende Arton e se sente em casa escrevendo sobre o mesmo, esse alguém é o Leonel.


Os dois melhores contos do livro ficam por conta dos escritores Raphael Draccon com Hedryl, uma épica e sanguinolenta história de vingança, e Leandro Radnak, com o fantástico suspense Lua das Trevas.

Ainda temos os competentes Ária Noturna, uma emocionante história de piratas escrita por Marlon Teske, O Perfil do Escorpião, um surpreendente conto ambientado no Deserto da Perdição, escrito por ninguém menos do que Rogério Saladino (um dos criadores do cenário) e o arrepiante Teopatia, uma incrível e caótica viagem na mente de um psicopata, escrita pelo genial (e um pouco assustador...) Remo Disconzi.

Ana Cristina Rodrigues assina Canção para Duas Vozes, Douglas MCT (escritor da saga Necrópolis) assina o suspense Revés, Cláudio Villa assina O Último Golpe de Javelin e ainda temos O Roxinol e os Espinhos, também escrito por Remo Disconzi.


Direto do túnel do tempo, mais precisamente das páginas da revista Tormenta, temos os consagrados contos Ressurreição, de Leonel Caldela, O Vingador de Aço, de Marcelo Cassaro, Arautos da Guerra (o melhor conto oficial já escrito sobre Arton) de Antônio Augusto Shaftiel e O Cerco, de JM Trevisan, que também é o organizador do livro.

De um modo geral, Crônicas da Tormenta é uma boa antologia e correspondeu as expectativas de quem há muito tempo aguardava reencontrar essas histórias. Uma leitura obrigatória para mestres e jogadores de Tormenta. 

Em relação aos materiais inéditos, é uma pena que o editor tenha se preocupado mais em reunir bons nomes do que  em reunir bons contos. O livro poderia ser ainda melhor.

Nota: ★★★☆☆

sábado, 4 de fevereiro de 2012

E a marmota viu a própria sombra...

Na última quinta (02/02), durante o Dia da Marmota, o impensável aconteceu. A marmota Phil, da cidade de Punxsutawney (Pensilvânia), olhou a sua sombra! Para os desavisados, isso significa que o inverno no hemisfério norte está longe de acabar, durando mais 6 semanas.


E tira esse sorriso bobo da cara! Não é só o povo lá de cima que tomou no nabo com essa notícia, esses tempos frios chegarão aqui também. Aproveitem enquanto ainda há calor, porque como diria Ned Stark, o inverno está chegando....

Whata?

O Dia da Marmota (2 de Fevereiro) é uma antiga tradição alemã, praticada nos USA e no Canadá desde o século 19 (na Europa, o evento envolve outros animais, como os ursos e texugos).

Milhares de pessoas se reúnem para testemunhar o momento em que a marmota acorda depois de longos meses de hibernação e sai da toca. Se estiver um dia ensolarado e ela olhar a própria sombra, o roedor se assusta e volta para a toca, o que significa que o inverno será rigoroso e prolongado. Caso a marmota não se assuste com a própria sombra, obviamente a primavera chegará mais cedo.


O Feitiço do Tempo

Um dos meus filmes preferidos de infância, O Feitiço do Tempo (Groundhog Day), é ambientado nesse simpático dia. Na história, Bill Murray é Phil (sim, o mesmo nome da marmota), um repórter frustrado que todos os anos cobre (contra a sua vontade) o Dia da Marmota.


Só que para o pesadelo do repórter, uma mágica o prende para sempre no dia 2 de fevereiro, fazendo com que o Phil acorde sempre nessa mesma data. O filme mostra as tentativas frustradas do repórter em desfazer o feitiço.


Winter is Coming...